sexta-feira, 23 de abril de 2010

Quisera

Quisera eu ser imortal
não para usufruir a eterna beleza da vida
mas para testemunhar a infinita vivacidade das palavras.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Pensamento

Eu não preciso de uma verdade absoluta para viver
Eu sonho, eu busco, eu invento
Encaro críticas e desafios
Só não suporto a aceitação pacífica daquilo que nomeiam realidade.

terça-feira, 20 de abril de 2010

O drama da noite


Todas as noites era a mesma coisa. O mesmo tormento, o mesmo pesadelo. Em seguida vinha o susto, acompanhado pela respiração ofegante e aflitiva do menino. Acordava sempre no meio da madrugada, no mesmo horário. Era claro o sentimento de pavor que continha em seus olhos vermelhos arregalados. Corria para o banheiro e lavava o rosto, com as mãos trêmulas e o corpo agitado. Apesar de ser um momento repetitivo e já esperado, o efeito do susto não diminuía. Parecia piorar a cada noite. A mãe entrava no quarto depois de poucos segundos, como se já estivesse aguardando por aquilo. Abraçava o menino, e lhe dizia palavras acolhedoras, com a tentativa de acalmá-lo.

“Sonhei que você tinha partido. Pra um lugar distante e escuro. Eu nunca mais ia te ver.”
Era mais ou menos o que repetia, com a voz seca, após recuperar o fôlego. A mãe esboçava um sorriso forçado, porém sincero.
“Eu estou aqui. Nunca vou te deixar.”
Os olhos úmidos do menino embaçavam sua visão, lhe causando uma sensação de tontura e fraqueza. Embora aliviado, permanecia angustiado. Sabia, de alguma forma, que não estava tudo bem.


Durante o dia, a casa costumava ficar silenciosa. O pai ocupava a maior parte do tempo trancado no escritório. A irmã, mais nova, gostava de desenhar no tapete da sala. E sua mãe só chegaria mais tarde, quando todos já estivessem dormindo. Diferente das noites, as tardes aparentavam ser bem calmas. Não havia muito o que se fazer. Para passar o tempo, o menino criava histórias em sua cabeça. Inventava personagens e os colocava em tramas aventureiras. Era o modo que encontrava de afastar o clima morto que habitava sua casa.
 

Numa dessas noites, o pai se deparou com o filho sentado no chão frio da sala, imóvel, com o olhar perdido.
“O que faz aqui a essa hora?”, perguntou, provocando um leve susto no menino.
“Nada. Só estou esperando a mamãe.”
O pai puxou-o pelo braço e o fez ir para o quarto.
“Não é hora de criança ficar acordada!”
O tom de voz nervoso e baixo espantou-o. Como se já não bastasse a falta de atenção aos filhos, era obrigado a ouvir palavras que soavam rudes vindas de seu pai.


Veio a madrugada. Outra vez, o pesadelo. Via imagens confusas. Ouvia barulhos estranhos de buzinas de carros, e uma mulher, berrando. Acordou com o próprio grito. Dessa vez, a mãe já estava ao seu lado, apertando forte sua mão suada. Seu choro foi abafado pelos ombros da mãe, nos quais apoiava sua cabeça.
“Por quê? Por que isso acontece comigo?”
Não houve resposta.
“Eu preciso de você. Preciso que volte mais cedo. Quero que fique do meu lado até eu adormecer. Faz isso por mim?”
“Eu estou do seu lado”.
Por mais que desejasse confortá-lo, não conseguiu.


Na manhã seguinte, acordou com uma forte dor de cabeça, sem lembrar em que momento havia dormido na noite anterior. Procurou sua mãe, inutilmente, com a certeza de que já teria saído para trabalhar. Passou pelo pai no corredor, despercebido. Queria, de algum modo, acreditar que não havia nada de errado, ou, que se houvesse, fosse apenas uma fase. Foi até o parque, próximo a casa, onde costumava ir quando mais novo. Observou cada detalhe de cada pessoa. Suas expressões, seus gestos. Encontrou no sorriso de uma mulher uma semelhança com o de sua mãe. Um sorriso que contagiava. O ligeiro instante de alegria foi disperso pela expressão triste de uma vizinha conhecida, que caminhava até o menino. Beijou seu rosto, sem dizer nada, e retomou seu caminho. Perturbado, voltou apressado para casa, ciente de que não faria diferença se continuasse lá ou voltasse.


Por alguns minutos, observou sua irmã desenhar. Sua aparência, sempre séria, causava angústia. Chegou mais perto e viu duas mulheres no papel, uma pequena e uma grande.
“Sou eu e mamãe”, disse a menina, quebrando o silêncio.
“Ficou bonito. Mostra pra ela depois, ela vai gostar”, tentou sorrir.
O olhar de pavor que sua irmã lançou era terrível. Com as mãos na boca, evitou o grito, mas não o choro. O pai se dirigiu imediatamente para a sala, perguntando o que tinha acontecido. Era a mesma pergunta do menino.
“Eu não gosto das brincadeiras dele!”
A voz assustada quase não saía. Correu para o quarto, com o desenho na mão. O pai encarou o filho, como se exigisse uma explicação.
“Eu só disse pra ela mostrar o desenho pra mamãe.”
O pai se ajoelhou na sua frente, fitando-o bem nos olhos, e o abraçou, deixando escapar uma lágrima na face. Encontrava dificuldades quanto ao uso das palavras.
“Eu sei que é difícil. É difícil pra todos nós.” Seus lábios tremiam.
Uma estranha sensação de desespero dominou o menino. O coração batia em ritmo fora do normal, chegando a causar dores no peito. Foi como se não tivesse conhecimento do fato ocorrido. As lembranças daquela madrugada o torturavam, de tal modo que o faziam esquecer, ou, pelo menos, não aceitar. Não compreendia ao certo a força daquele vazio que sentia constantemente. Apenas sentia.
“Você precisa ser forte.”
Foram as últimas palavras do pai antes de subir as escadas com passos pesados.


Atordoado, o filho permaneceu intacto na sala, tentando organizar seus pensamentos. Desejava encontrar algum jeito de enfrentar a realidade, de afastar seus pesadelos e delírios noturnos. Não suportava a dor de reviver aquele momento todas as noites.


Naquela madrugada, pretendia ficar acordado. Apagou as luzes do quarto, desafiando o escuro. Queria provar a si mesmo que não sentiria mais medo. Manteve seus olhos abertos durante um longo tempo, até o instante em que adormeceu, sem que percebesse.
Desta vez, o sonho foi diferente. Uma imagem nítida de sua mãe caminhava em sua direção, com o sorriso inconfundível desenhado no rosto. O conforto que sentia provocava um desejo de não acordar mais. Desde aquela noite, passou a viver dessa lembrança, agora não mais dolorosa. Obteve, de algum modo, a certeza de que tudo aquilo era real.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Eu e a solidão

“Viver é saber entender, é sonhar, é viajar... é compreender o que deve se fazer, ou simplesmente, viver é viver.” Não. Não era bom demais. Já era o décimo poema que eu tentava elaborar naquele dia cruel. Dia chuvoso, sem sol, querendo competir comigo. Mas nem um simples poema poderia me satisfazer. Parecia que desde que completei treze anos o mundo inteiro se virou contra mim. Não consigo guardar boas lembranças. Minha vida não tinha mais companhia. Até meu quarto, tão pequeno, não se importava comigo. Quando entro nele, o vazio já o ocupa. A solidão já está sofrendo junto comigo. E por isso deduzo até agora que minha melhor amiga é ela: a solidão.

Podemos realizar muitas coisas sozinhas. Mas hoje, ela estava com preguiça. Geralmente viajamos juntas no meu pensamento, porém para elaborar um poema, ela simplesmente não quis me ajudar. Se não fosse ela, quem seria?

Na manhã seguinte, já era segunda. Tive de me arrumar para a escola e fui andando sozinha naquela rua deserta. Pensativa, como sempre. Pensando em quê? Em nada. Só pensativa mesmo. Só o fato de eu pensar, já me deixava irritada. Ou feliz? Depende. Quando minha mãe grita comigo e eu estou pensando, aí sim eu fico chateada. Mas quando me encontro sozinha no meu quarto, fico contente. É a única maneira de me distrair.


Mal me dei conta, e já estava diante do colégio. Nem o porteiro me cumprimentava. Nem minhas “amigas”, nem meus professores, nem ninguém. O tempo era infinito na sala de aula. Sempre a mesma coisa. Os professores falando, os alunos tirando dúvida, e eu calada. Alguns de outras séries, me achavam muda. Mas eu não era. Eu e a solidão discutíamos muito. Já realizamos uma viagem para outro país, bem distante. Foi bem divertido conhecer outras culturas. E foi aí que percebi que também tinha outro grande amigo: o sonho.
Foi ele que nos conduziu para esta viagem maravilhosa. E sem ele, nunca teríamos nos divertido tanto.

O tempo que parecia ser infinito, passou num instante... “Manuela!”. O quê? Alguém chamou pelo meu nome? Isso era praticamente impossível. Dei uma tremida de passagem e procurei a pessoa que me chamava. Era a professora de Português. Antes de sair de sala para nós irmos embora, ela estava fazendo a chamada dos alunos. E para minha grande infelicidade, não era alguém me chamando para conversar. Se fosse mesmo para conversar, seria sobre minha nota baixa do bimestre passado, que desagradou muito à minha mãe.


Voltando do colégio, a chuva apareceu de implicância de novo. Não tão forte quanto a de ontem, mas fina e pinicando. Molhava meus cabelos compridos, e sussurrava em meu ouvido. Por mais que eu mandasse ela calar a boca, era impossível. Ninguém me obedecia, ninguém me ouvia.


Em casa, corri direto para meu cantinho. Ah, não! Dia de faxina no meu quarto? Não tive outra escolha. Fui para o quintal muito furiosa, com minha mochila ainda nas costas. Quase sentei no chão de terra, mas minha frescura impedia. Peguei meu lápis, um papel, apoiei- me no muro, o que me parecia muito desconfortável, e comecei a escrever. A faxina já havia terminado, mas eu não me importava. O lápis com a ponta bastante gasta, mas ainda não me importava. O papel, o muro sujava... Tudo o que poderia me impedir de escrever, não conseguiu. Não fui só eu que escrevi não. A solidão e o sonho me ajudaram muito. Meu pensamento me deu uma força também enorme. Foi o único momento de minha vida em que eu consegui realizar alguma coisa, e ninguém me impedia. 


Senti a vitória em meu corpo, como se desta vez eu ganhasse a competição contra o mundo, que sempre disputava comigo. Aquela tarde durou séculos e séculos. Mesmo no final dela, pude perceber que ela ia durar para sempre, no meu pensamento. Viu como foi útil ter o pensamento como outro amigo meu?

Chegou terça-feira e eu nunca acordei tão animada. Não entendia o porquê, mas estava feliz. Muito feliz. E fiquei mais ainda quando cheguei na escola, novamente caminhando sozinha. A professora de Português pediu que os alunos elaborassem uma redação, história, ou poesia. Não esperei um segundo para recolher minha história da mochila e entregar nas mãos da professora, dizendo: “Aqui está.”


Ela olhava atentamente para mim, com cara de que não compreendia aquela cena. Porém, ao terminar de ler minha fantástica história, me parabenizou com muita sinceridade, exclamando: “Muito bem, Manu!”. Foi o primeiro elogio que eu havia recebido em toda a minha vida. Minha felicidade cresceu ainda mais porque ela me chamou pelo apelido, querendo me dar atenção. 

A partir daquele dia, ou da última tarde, pude observar muitas coisas: a aula de Português, que era a mais chata, passou a ser a melhor. Os dias de chuva, que eram os piores, passaram a ser os mais divertidos. Meu quartinho, que era o único que eu habitava, dividiu a minha moradia com o quintal. O mundo, as coisas, que se viravam contra mim, pareciam agora ser também especiais. 

E o melhor de tudo, foi que percebi que meus verdadeiros amigos iriam ser para sempre a solidão, meu sonho e meu pensamento... Qual será nossa próxima viagem?

(escrito em 2004, aos 12 anos)