domingo, 23 de outubro de 2011

Coração

Chora, coração
que arrancou-te a dor infinda
a vida breve
em sonho vão
Que o sangue entrelaçado
já vem frio
já vem ralo
que teu ritmo entorpece
a secura que te veste.

Sente, coração
como pulsa a dor latente
que um dia há de calar
o ardor incandescente
Quão pesadas tuas veias
carregam o fluido
úmido
não fossem estas lágrimas
que um dia hão de cessar.

Canta, coração
que o desejo
iminente
a mágoa há de libertar
Que vibrante
o peito grita
entre sonhos,
prantos e cinzas:

Vive, coração!

sábado, 20 de agosto de 2011

Experiências no irreal

Às vezes, pergunto para as pessoas se elas percebem quando estão sonhando. A resposta negativa é previsível e unânime. Comigo, no entanto, é diferente. Talvez porque eu sempre tenha me interessado por assuntos que envolvem o sonho. É algo fascinante, misterioso, e assusta de uma forma positiva. Mergulhar em outra realidade durante horas é tão próximo do cotidiano e tão distante da minha concepção de comum. Fico imaginando o meu estado de quase absoluta inércia, em contradição com os movimentos falaciosos do corpo ­– meras aparências construídas pelo cérebro.

Nos minutos que precedem o sono, crio suposições a respeito do próximo sonho, sou tomada por uma estranha curiosidade: o que eu vou sonhar, com quem e por quê. Penso nisso até os meus últimos instantes de raciocínio, pouco antes do primeiro passo da transição. Nesse meio-termo, as imagens começam a ser projetadas pelo meu inconsciente, e as situações são cada vez mais elaboradas, à medida que o sono caminha para um nível mais profundo. O resultado disso tudo pode responder à primeira pergunta em questão: sim, eu sei quando estou sonhando.

Não é sempre, nem por acaso, que acontece. Em momentos anteriores na cama de maiores reflexões, eu consigo identificar, ao imergir no sonho, a vulnerabilidade do ambiente, as atitudes estranhas das pessoas e a ausência de sentido nos fatos. Em seguida, constato: é um sonho. É como se ele fosse um terreno contíguo à realidade, onde meus pensamentos ininterruptos não perdessem a referência do real.

Confesso que já me aproveitei de tal peculiaridade para me livrar de situações perigosas. Em um pesadelo, quando um homem que me perseguia me encontrou – o motivo da perseguição desconheço –, eu não corri, eu não gritei, eu não chorei. Fui movida por um instinto natural, lógico e espontâneo: fechei os olhos. O cenário em minha volta é apenas projeção do meu inconsciente, pensei. Aquilo não era real. Se tudo, inclusive o homem, era pura criação minha, por que não adaptar aquela vida provisória a meu modo? No escuro, concentrei-me para apagar a presente imagem e dar lugar a uma nova, que conheci ao abrir os olhos. Foi muito satisfatório.

N’outras vezes, lembro-me agora, já me encarreguei de procurar uma Fada Azul no sonho, em aposta com meu irmão na vida real. A ideia surgiu com o filme que assistimos, “Inteligência artificial”, em que o protagonista passa grande parte da história tentando encontrar a Fada Azul – mas isso não vem ao caso. O desafio era testar a minha capacidade, ou não, de lembrar, durante o sonho, o acordo estabelecido. Não foi no primeiro, mas aconteceu. Sonhando justamente com meu irmão, eu disse contente: “Lembra? Temos que procurar a Fada Azul!”. Ele apenas sorriu. Não me recordo de mais nada. Por que não escolhi uma tarefa menos complicada?

Recentemente, vivi uma situação um pouco diferente. Dessa vez, nada foi combinado antes de dormir. Eu estava na rua, já no meio de um sonho, quando percebi que não estava acontecendo de verdade. Rodeada de pessoas, resolvi perguntar para uma delas – conhecida minha – algo que de fato me interessava saber. A resposta que recebi não foi de modo algum aleatória: o que eu esperava ouvir, mas não necessariamente o que eu queria ouvir. O que eu penso de alguém ou o que eu imagino que pensa reflete na criação que o meu inconsciente faz das pessoas. Portanto, acredito, se um dia eu estiver confusa quanto aos meus julgamentos, posso recorrer ao sonho para eliminar minhas dúvidas. O nosso real sentimento está sempre lá, em algum lugar da nossa mente.

A mais antiga, talvez a primeira das experiências, consistiu em um sonho mais descontraído. Eu era criança, e observei nos desenhos animados que alguns personagens se mexiam na cama de acordo com as ações que praticavam no sonho. Decidi testar a veracidade daquilo. Sonhei com um gramado de um sítio enorme, onde pude correr rapidamente e com passos largos. Acordei desapontada, lembrando que não havia ninguém ali para testemunhar o possível movimento das minhas pernas.

A última experiência memorável ocorreu não há muito. Lembro-me de estar lendo, não sei se livro ou revista, sem ninguém por perto. Não havia coerência na construção das frases, como se fosse apenas um fluxo de palavras. A parte interessante veio depois. Ao me dar conta de que aquilo era um sonho, pensei em tudo o que poderia estar escrito. A aparição instantânea das palavras pensadas, agora com sentido, me possibilitou a ler exatamente o que eu queria. Estava tudo sob o meu domínio.

Como mostra algumas definições no dicionário Houaiss, inconsciente significa 1. automático, maquinal, involuntário 2. que ou o que não pode ser percebido pelo indivíduo que o vivencia 3. que ou quem não se dá conta de certas coisas, não percebe as circunstâncias a sua volta. O que explica, então, a minha condição de controle do inconsciente, a partir de uma consciência plena de que aquilo não é real? Escrevo não para encontrar respostas prontas e imediatas, tampouco para fazer delas uma verdade. Porque, se um dia, as explicações forem todas precisas e científicas, não mais haverá razão para sonhar.

domingo, 3 de abril de 2011

O ângulo feminino


Fugindo ao padrão literário do blog, escrevo hoje para registrar uma opinião adversa à lógica de uma sociedade machista. Costumamos, desde criança, entender o preconceito como algo recorrente no dia-a-dia, mas que deve ser abolido. Quando digo preconceito, refiro-me a todos eles. Percebo hoje, no entanto, que só podemos compreendê-lo de fato quando o sentimos. Menos condenável que os demais, sem dúvida, mas não menos sofrido para quem sente, o preconceito com a mulher no futebol foi o tema escolhido para este pequeno desabafo.

Está certo que a mulher, de uns tempos pra cá, vem conquistando o seu espaço no universo do futebol. Já temos hoje, por exemplo, presidenta de clube e inclusive árbitras (“bandeirinhas”). Mas o ponto crucial para este debate é discutir a mulher no âmbito de torcedora: é aonde eu me encaixo nesta história.

Reconheço – e aceito – que a grande maioria feminina não se interessa por futebol, ou até se interessa, mas pouco acompanha. Por uma questão biológica ou não, há uma forte tendência do homem a gostar do esporte, tanto de assistir como jogar. E eu não julgo, nem subestimo, essa porcentagem de mulheres que não gostam. Elas não têm a obrigação de acompanhar e muito menos de entender as regras do jogo. Mas, e a outra pequena porcentagem, onde fica?

A outra porcentagem é aquela estigmatizada pelas opiniões masculinas; aquela que sofreu generalizações, que nos tornaram alvo de piadas machistas e de comentários como “mulher não entende, só torce.” Não nego a existência de torcedoras com este perfil, mas, assim como há as mulheres, existem também os homens pseudo-fanáticos. São os chamados “torcedores de modinha”. Não fazem ideia do que aconteceu no decorrer do campeonato, não sabem quais adversários o seu time enfrentou, mas se está lá na final, vão ao estádio e comemoram o título com orgulho. É claro que, para o homem, isso não será um problema. Porque “homem entende de futebol.” A mulher é que vai sofrer o preconceito, por ser um “ser limitado quando o assunto é futebol.”

Em meu nome, e no de todas as leitoras que se identificaram nesta parcela injustiçada, eu digo: nós não vamos aos estádios para “enfeitar as arquibancadas”, como é de praxe ouvir dos narradores de jogos. E, menos ainda, para “olhar as pernas dos jogadores” (essa é para rir) ou então “tirar onda”. Nós também entendemos a regra do impedimento – e as demais –, também entendemos a organização e o esquema de cada campeonato, também sabemos a escalação completa do nosso time. Se vamos aos estádios, é porque gostamos de assistir aos jogos, apreciamos o bom futebol, e, sobretudo, porque dedicamos amor incondicional ao nosso time. A alegria de comemorar uma vitória não é efêmera, não cessa no momento do apito final. É uma alegria que faz parte do nosso trajeto como torcedoras, que altera o nosso humor cotidiano, e que nos envolve durante todo o período do campeonato. Obviamente, nem sempre é a alegria que reina no fim.

Resumindo o que eu queria dizer: não precisamos ser homens ou possuir qualquer indício de masculinidade para gostar de futebol. Somos nós mesmas, mulheres. A diferença é que usamos maquiagem, colocamos salto alto, e somos, digamos, mais sensíveis. Nada que nos impeça de amar e entender o futebol, até excedendo, em alguns casos, o interesse dos homens.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A natureza da criação

Não me condenes pelas minhas chuvas de tristeza
pelo meu trovejar de raiva
pelos meus ventos descoordenados
Também sei florir
também posso ser luz
Por vezes como a lua
de um brilho tímido e frio
por outras, como o sol
que arde e faz arder.