“Viver é saber entender, é sonhar, é viajar... é compreender o que deve se fazer, ou simplesmente, viver é viver.” Não. Não era bom demais. Já era o décimo poema que eu tentava elaborar naquele dia cruel. Dia chuvoso, sem sol, querendo competir comigo. Mas nem um simples poema poderia me satisfazer. Parecia que desde que completei treze anos o mundo inteiro se virou contra mim. Não consigo guardar boas lembranças. Minha vida não tinha mais companhia. Até meu quarto, tão pequeno, não se importava comigo. Quando entro nele, o vazio já o ocupa. A solidão já está sofrendo junto comigo. E por isso deduzo até agora que minha melhor amiga é ela: a solidão.
Podemos realizar muitas coisas sozinhas. Mas hoje, ela estava com preguiça. Geralmente viajamos juntas no meu pensamento, porém para elaborar um poema, ela simplesmente não quis me ajudar. Se não fosse ela, quem seria?
Na manhã seguinte, já era segunda. Tive de me arrumar para a escola e fui andando sozinha naquela rua deserta. Pensativa, como sempre. Pensando em quê? Em nada. Só pensativa mesmo. Só o fato de eu pensar, já me deixava irritada. Ou feliz? Depende. Quando minha mãe grita comigo e eu estou pensando, aí sim eu fico chateada. Mas quando me encontro sozinha no meu quarto, fico contente. É a única maneira de me distrair.
Mal me dei conta, e já estava diante do colégio. Nem o porteiro me cumprimentava. Nem minhas “amigas”, nem meus professores, nem ninguém. O tempo era infinito na sala de aula. Sempre a mesma coisa. Os professores falando, os alunos tirando dúvida, e eu calada. Alguns de outras séries, me achavam muda. Mas eu não era. Eu e a solidão discutíamos muito. Já realizamos uma viagem para outro país, bem distante. Foi bem divertido conhecer outras culturas. E foi aí que percebi que também tinha outro grande amigo: o sonho. Foi ele que nos conduziu para esta viagem maravilhosa. E sem ele, nunca teríamos nos divertido tanto.
O tempo que parecia ser infinito, passou num instante... “Manuela!”. O quê? Alguém chamou pelo meu nome? Isso era praticamente impossível. Dei uma tremida de passagem e procurei a pessoa que me chamava. Era a professora de Português. Antes de sair de sala para nós irmos embora, ela estava fazendo a chamada dos alunos. E para minha grande infelicidade, não era alguém me chamando para conversar. Se fosse mesmo para conversar, seria sobre minha nota baixa do bimestre passado, que desagradou muito à minha mãe.
Voltando do colégio, a chuva apareceu de implicância de novo. Não tão forte quanto a de ontem, mas fina e pinicando. Molhava meus cabelos compridos, e sussurrava em meu ouvido. Por mais que eu mandasse ela calar a boca, era impossível. Ninguém me obedecia, ninguém me ouvia.
Em casa, corri direto para meu cantinho. Ah, não! Dia de faxina no meu quarto? Não tive outra escolha. Fui para o quintal muito furiosa, com minha mochila ainda nas costas. Quase sentei no chão de terra, mas minha frescura impedia. Peguei meu lápis, um papel, apoiei- me no muro, o que me parecia muito desconfortável, e comecei a escrever. A faxina já havia terminado, mas eu não me importava. O lápis com a ponta bastante gasta, mas ainda não me importava. O papel, o muro sujava... Tudo o que poderia me impedir de escrever, não conseguiu. Não fui só eu que escrevi não. A solidão e o sonho me ajudaram muito. Meu pensamento me deu uma força também enorme. Foi o único momento de minha vida em que eu consegui realizar alguma coisa, e ninguém me impedia.
Senti a vitória em meu corpo, como se desta vez eu ganhasse a competição contra o mundo, que sempre disputava comigo. Aquela tarde durou séculos e séculos. Mesmo no final dela, pude perceber que ela ia durar para sempre, no meu pensamento. Viu como foi útil ter o pensamento como outro amigo meu?
Chegou terça-feira e eu nunca acordei tão animada. Não entendia o porquê, mas estava feliz. Muito feliz. E fiquei mais ainda quando cheguei na escola, novamente caminhando sozinha. A professora de Português pediu que os alunos elaborassem uma redação, história, ou poesia. Não esperei um segundo para recolher minha história da mochila e entregar nas mãos da professora, dizendo: “Aqui está.”
Ela olhava atentamente para mim, com cara de que não compreendia aquela cena. Porém, ao terminar de ler minha fantástica história, me parabenizou com muita sinceridade, exclamando: “Muito bem, Manu!”. Foi o primeiro elogio que eu havia recebido em toda a minha vida. Minha felicidade cresceu ainda mais porque ela me chamou pelo apelido, querendo me dar atenção.
A partir daquele dia, ou da última tarde, pude observar muitas coisas: a aula de Português, que era a mais chata, passou a ser a melhor. Os dias de chuva, que eram os piores, passaram a ser os mais divertidos. Meu quartinho, que era o único que eu habitava, dividiu a minha moradia com o quintal. O mundo, as coisas, que se viravam contra mim, pareciam agora ser também especiais.
E o melhor de tudo, foi que percebi que meus verdadeiros amigos iriam ser para sempre a solidão, meu sonho e meu pensamento... Qual será nossa próxima viagem?
(escrito em 2004, aos 12 anos)