terça-feira, 20 de abril de 2010

O drama da noite


Todas as noites era a mesma coisa. O mesmo tormento, o mesmo pesadelo. Em seguida vinha o susto, acompanhado pela respiração ofegante e aflitiva do menino. Acordava sempre no meio da madrugada, no mesmo horário. Era claro o sentimento de pavor que continha em seus olhos vermelhos arregalados. Corria para o banheiro e lavava o rosto, com as mãos trêmulas e o corpo agitado. Apesar de ser um momento repetitivo e já esperado, o efeito do susto não diminuía. Parecia piorar a cada noite. A mãe entrava no quarto depois de poucos segundos, como se já estivesse aguardando por aquilo. Abraçava o menino, e lhe dizia palavras acolhedoras, com a tentativa de acalmá-lo.

“Sonhei que você tinha partido. Pra um lugar distante e escuro. Eu nunca mais ia te ver.”
Era mais ou menos o que repetia, com a voz seca, após recuperar o fôlego. A mãe esboçava um sorriso forçado, porém sincero.
“Eu estou aqui. Nunca vou te deixar.”
Os olhos úmidos do menino embaçavam sua visão, lhe causando uma sensação de tontura e fraqueza. Embora aliviado, permanecia angustiado. Sabia, de alguma forma, que não estava tudo bem.


Durante o dia, a casa costumava ficar silenciosa. O pai ocupava a maior parte do tempo trancado no escritório. A irmã, mais nova, gostava de desenhar no tapete da sala. E sua mãe só chegaria mais tarde, quando todos já estivessem dormindo. Diferente das noites, as tardes aparentavam ser bem calmas. Não havia muito o que se fazer. Para passar o tempo, o menino criava histórias em sua cabeça. Inventava personagens e os colocava em tramas aventureiras. Era o modo que encontrava de afastar o clima morto que habitava sua casa.
 

Numa dessas noites, o pai se deparou com o filho sentado no chão frio da sala, imóvel, com o olhar perdido.
“O que faz aqui a essa hora?”, perguntou, provocando um leve susto no menino.
“Nada. Só estou esperando a mamãe.”
O pai puxou-o pelo braço e o fez ir para o quarto.
“Não é hora de criança ficar acordada!”
O tom de voz nervoso e baixo espantou-o. Como se já não bastasse a falta de atenção aos filhos, era obrigado a ouvir palavras que soavam rudes vindas de seu pai.


Veio a madrugada. Outra vez, o pesadelo. Via imagens confusas. Ouvia barulhos estranhos de buzinas de carros, e uma mulher, berrando. Acordou com o próprio grito. Dessa vez, a mãe já estava ao seu lado, apertando forte sua mão suada. Seu choro foi abafado pelos ombros da mãe, nos quais apoiava sua cabeça.
“Por quê? Por que isso acontece comigo?”
Não houve resposta.
“Eu preciso de você. Preciso que volte mais cedo. Quero que fique do meu lado até eu adormecer. Faz isso por mim?”
“Eu estou do seu lado”.
Por mais que desejasse confortá-lo, não conseguiu.


Na manhã seguinte, acordou com uma forte dor de cabeça, sem lembrar em que momento havia dormido na noite anterior. Procurou sua mãe, inutilmente, com a certeza de que já teria saído para trabalhar. Passou pelo pai no corredor, despercebido. Queria, de algum modo, acreditar que não havia nada de errado, ou, que se houvesse, fosse apenas uma fase. Foi até o parque, próximo a casa, onde costumava ir quando mais novo. Observou cada detalhe de cada pessoa. Suas expressões, seus gestos. Encontrou no sorriso de uma mulher uma semelhança com o de sua mãe. Um sorriso que contagiava. O ligeiro instante de alegria foi disperso pela expressão triste de uma vizinha conhecida, que caminhava até o menino. Beijou seu rosto, sem dizer nada, e retomou seu caminho. Perturbado, voltou apressado para casa, ciente de que não faria diferença se continuasse lá ou voltasse.


Por alguns minutos, observou sua irmã desenhar. Sua aparência, sempre séria, causava angústia. Chegou mais perto e viu duas mulheres no papel, uma pequena e uma grande.
“Sou eu e mamãe”, disse a menina, quebrando o silêncio.
“Ficou bonito. Mostra pra ela depois, ela vai gostar”, tentou sorrir.
O olhar de pavor que sua irmã lançou era terrível. Com as mãos na boca, evitou o grito, mas não o choro. O pai se dirigiu imediatamente para a sala, perguntando o que tinha acontecido. Era a mesma pergunta do menino.
“Eu não gosto das brincadeiras dele!”
A voz assustada quase não saía. Correu para o quarto, com o desenho na mão. O pai encarou o filho, como se exigisse uma explicação.
“Eu só disse pra ela mostrar o desenho pra mamãe.”
O pai se ajoelhou na sua frente, fitando-o bem nos olhos, e o abraçou, deixando escapar uma lágrima na face. Encontrava dificuldades quanto ao uso das palavras.
“Eu sei que é difícil. É difícil pra todos nós.” Seus lábios tremiam.
Uma estranha sensação de desespero dominou o menino. O coração batia em ritmo fora do normal, chegando a causar dores no peito. Foi como se não tivesse conhecimento do fato ocorrido. As lembranças daquela madrugada o torturavam, de tal modo que o faziam esquecer, ou, pelo menos, não aceitar. Não compreendia ao certo a força daquele vazio que sentia constantemente. Apenas sentia.
“Você precisa ser forte.”
Foram as últimas palavras do pai antes de subir as escadas com passos pesados.


Atordoado, o filho permaneceu intacto na sala, tentando organizar seus pensamentos. Desejava encontrar algum jeito de enfrentar a realidade, de afastar seus pesadelos e delírios noturnos. Não suportava a dor de reviver aquele momento todas as noites.


Naquela madrugada, pretendia ficar acordado. Apagou as luzes do quarto, desafiando o escuro. Queria provar a si mesmo que não sentiria mais medo. Manteve seus olhos abertos durante um longo tempo, até o instante em que adormeceu, sem que percebesse.
Desta vez, o sonho foi diferente. Uma imagem nítida de sua mãe caminhava em sua direção, com o sorriso inconfundível desenhado no rosto. O conforto que sentia provocava um desejo de não acordar mais. Desde aquela noite, passou a viver dessa lembrança, agora não mais dolorosa. Obteve, de algum modo, a certeza de que tudo aquilo era real.

2 comentários:

  1. Ameeeei bruuu !! Parabéns kra !
    Seus textos realmente "prendem" a gente !

    te amo muito ! Karina

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  2. Brunaa Amei o seu texto!
    Tem muito talendoo = D

    Beijoo, Paula!

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