Se assim a posso chamar, é desse
modo que a vida tem sido nos últimos dias: vazia e escorregadia. Eu tento
manejá-la, agarrá-la por algum fio condutor, mas ela desliza, escapa, me foge
das mãos. Desaprendi a diferença entre o que é sonho e o que é real.
Este corpo já não me diz
respeito, já não obedece mais a meus comandos. Ele grita e treme na tentativa
inútil de salvar o que ainda resta de mim, de dissolver os tormentos que
agonizam o peito. Sinto-me desconectada do mundo, ausente de mim,
despersonificada.
Confesso que já sonhei em ser
dona do mundo, na época em que ainda existiam sonhos. Hoje, não controlo mais sequer
minhas próprias vontades. Eu não sei nem dar nome a elas. Elas se perderam
depois de seguidas convulsões.
Sentir é um ato individual, é
próprio. O outro não é capaz de compreender, por mais humano e sensível que o
seja. E em meio a tantas reflexões, pergunto: a vida de outrora era realmente
melhor? Ou foi tudo apenas em esboço de vida, uma concha confortável? É agora que não enxergo nada, ou antes não
enxergava?
Por vezes, penso que teria sido
melhor seguir em infinita anestesia. As dores me seriam desconhecidas, os
ventos fortes seriam naturais e os dissabores seriam passageiros. Eu perdi o
equilíbrio, o ponto de apoio que me sustentava, a integridade que me fazia
própria. Os objetos estão distorcidos, as cores estão apagadas, o que era doce
virou amargo. Cheguei a acreditar que a vida ao meu redor estava diferente. Mas
não: sou eu que estou.
Não imaginava que um ser humano pudesse
experimentar todas essas sensações a um só tempo, que se convergem em uma única:
a dor de não viver. E não há nada de poético ou de abstrato nisso. Eu sinto a
morte, eu vivo a morte.
Eu vejo a minha sombra em todos
os cantos do quarto. Eu transfiro toda a minha incompletude aos mínimos enfeites
da mesa. Retirei o espelho da parede para não mais ter que encontrar aquele
rosto cinzento, impessoal e disforme – não o reconheço. Enceno um sorriso
apenas para relembrar o gesto facial. O seu significado é irrecuperável.
E apesar da escuridão que me dá forma, das ideias temerosas e fantasiosas que me dominam, insisto em tentar compreender ao menos parte da minha existência. Loucura não é a perda total da razão: é a busca contínua por ela. Porque não há nada mais desconcertante do que tentar entender.
São nove horas da manhã, é inverno e estamos em julho. Mas poderia ser dezembro, duas horas da madrugada e verão.
Lindo demais!!!
ResponderExcluirParabéns, prima!!!!
Sei o que é desejar a "infinita anestesia". Nela, não sentimos dor, mas também não sentimos a delícia, de ser quem é. Cada palavra sua é legítima e caminha para essa delícia. Só ouso discordar em uma coisa: de que não há nada de poético nisso. Da dor também se faz arte e esse seu conto comprova isso.
ResponderExcluirBruna, me (co)moveu a intensidade literária de tua reflexão sobre a dor do não viver. Porém só quem vive sabe que não há metáforas que expliquem o sentido da existência. Talvez porque a vida é por si uma explicação sem razão, sem entendimento racional, onde a emoção se intui, como o significado plural de cada palavra que elegemos para nos falar. Continue suas palavras, a vida agradece sua presença.
ResponderExcluirParabéns por seu blog!
Fernando Pedro Lopes