Em algum momento da história, surgiu a ideia de “ser
um” como expressão que designa um dado grupo, provavelmente para lhe atribuir
força. O sentido repercutiu e hoje está também generalizado nas mais diversas
declarações de amor. Até que ponto “ser um”, sendo dois ou mais, é positivo?
A tentativa de unificar pessoas anula suas
diferenças, seus espaços privados. Podemos estender o tema a outros níveis, se
pensarmos que a língua não é homogênea, a cultura não é homogênea, a política
não é homogênea, as regiões não são homogêneas, e por aí vai. A ideia de uma
gramática normativa única, por exemplo, é ilusória. O suposto padrão no qual se
baseia a língua é quebrado a todo instante pelos diferentes contextos de uso,
tanto na fala quanto na escrita. O mesmo acontece com o ser humano.
Enxergamos e agimos conforme nossa experiência de
vida e os meios culturais e sociais aos quais somos expostos. Cada um, em sua
inerente individualidade, constrói sua própria visão de mundo. Clarice
Lispector diz: "Uma
vida completa pode acabar numa identificação tão absoluta com o não eu que não
haverá mais um eu para morrer." Essa perda da identidade é perigosa, uma vez que nos distancia de nossos
valores e nos torna manipuláveis.
Posso citar
como mais um exemplo o movimento feminista, que luta pela igualdade entre
homens e mulheres. Não podemos confundir igualdade de direitos com igualdade de
pensamento. As mulheres buscam espaço, liberdade e respeito na sociedade, além
da desconstrução de uma inferioridade de raiz histórica e meramente cultural. Não
se trata, portanto, de uma luta por um pensar e sentir igual. Diferenças sempre
existirão, sobretudo no âmbito biológico; assim como continuarão existindo
dentro de um grupo só de mulheres ou só de homens.
A
heterogeneidade enriquece as relações humanas, provoca diálogo e questionamento,
e nos mantém acesos na constante busca para entender o eu e o outro.
Somos um,
dois, três, quatro... Somos plurais.
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