terça-feira, 2 de setembro de 2014

Somos mais do que um, somos mil

Em algum momento da história, surgiu a ideia de “ser um” como expressão que designa um dado grupo, provavelmente para lhe atribuir força. O sentido repercutiu e hoje está também generalizado nas mais diversas declarações de amor. Até que ponto “ser um”, sendo dois ou mais, é positivo?

A tentativa de unificar pessoas anula suas diferenças, seus espaços privados. Podemos estender o tema a outros níveis, se pensarmos que a língua não é homogênea, a cultura não é homogênea, a política não é homogênea, as regiões não são homogêneas, e por aí vai. A ideia de uma gramática normativa única, por exemplo, é ilusória. O suposto padrão no qual se baseia a língua é quebrado a todo instante pelos diferentes contextos de uso, tanto na fala quanto na escrita. O mesmo acontece com o ser humano.

Enxergamos e agimos conforme nossa experiência de vida e os meios culturais e sociais aos quais somos expostos. Cada um, em sua inerente individualidade, constrói sua própria visão de mundo. Clarice Lispector diz: "Uma vida completa pode acabar numa identificação tão absoluta com o não eu que não haverá mais um eu para morrer." Essa perda da identidade é perigosa, uma vez que nos distancia de nossos valores e nos torna manipuláveis.

Posso citar como mais um exemplo o movimento feminista, que luta pela igualdade entre homens e mulheres. Não podemos confundir igualdade de direitos com igualdade de pensamento. As mulheres buscam espaço, liberdade e respeito na sociedade, além da desconstrução de uma inferioridade de raiz histórica e meramente cultural. Não se trata, portanto, de uma luta por um pensar e sentir igual. Diferenças sempre existirão, sobretudo no âmbito biológico; assim como continuarão existindo dentro de um grupo só de mulheres ou só de homens.

A heterogeneidade enriquece as relações humanas, provoca diálogo e questionamento, e nos mantém acesos na constante busca para entender o eu e o outro.

Somos um, dois, três, quatro... Somos plurais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário